Notícias
Alta do dólar: Causas e consequências
Conheça os motivos para a recente valorização da moeda americana e seus reflexos na economia brasileira.
Em meio a diferentes apostas sobre o comportamento futuro do dólar, há apenas uma certeza por parte dos economistas: a moeda americana não deve voltar tão cedo à casa dos R$ 2, valor em que era negociada no início do ano, apesar do recuo em relação ao real na semana passada.
Na última sexta-feira, o dólar comercial, que é usado no comércio exterior, perdeu fôlego e encerrou o pregão cotado a R$ 2,27, com desvalorização de 0,56%.
No dia anterior, a divisa americana também já havia recuado.
Mesmo assim, o dólar já acumula valorização superior a 10% no ano frente à moeda brasileira e já se encontra em um patamar próximo de R$ 2,30, considerado o limite superior de uma ‘banda informal’ aceita pelo governo para não prejudicar a inflação.
O ciclo de alta teve início em meados de maio deste ano.
Desde então, o governo vem tentando frear o avanço da moeda americana.
Em junho, o Ministério da Fazenda zerou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos estrangeiros em renda fixa e derivativos na esperança de atrair dólares. O tributo vinha funcionando como uma espécie de ‘barreira’ à entrada de dólares no país.
Simultaneamente, o Banco Central vem realizando leilões da moeda americana no mercado futuro (chamados de ‘swap cambial’), com o objetivo de puxar a cotação do dólar para baixo.
A BBC Brasil ouviu especialistas para entender o que há por trás da recente valorização do dólar e seus principais reflexos para a economia brasileira. Confira.
Causas
Estados Unidos
Para especialistas, a principal explicação para a alta do dólar vem dos Estados Unidos. Há a expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) possa, em breve, reduzir os estímulos à economia do país.
A aposta é baseada em dados que sinalizam uma recuperação da atividade econômica dos EUA, como a expansão maior do que prevista do PIB no segundo trimestre (de 1,7%) e a queda do desemprego, que atingiu o menor nível em quatro anos.
Desde 2009, o Fed recompra mensalmente cerca de US$ 85 bilhões (R$ 190 bilhões) em títulos do Tesouro americano numa operação conhecida como ‘quantitative easing’, ou simplesmente QE.
Os títulos públicos são usados pelos governos como forma de captar o dinheiro que necessita para financiar os gastos públicos não cobertos pela arrecadação de impostos. Em linhas gerais, o investidor ‘empresta’ dinheiro ao Tesouro para recebê-lo depois, acrescido de juros.
Ao decidir recomprar esses títulos, o Fed injeta dinheiro no sistema, aumentando a liquidez da economia. Um banco que se desfaça desse ativo pode, por exemplo, usar o dinheiro da venda para conceder empréstimos ao consumidor, estimulando a economia.
Parte desse súbito excedente de dinheiro tem sido usado por investidores para aplicar em mercados onde pudessem obter maiores retornos, como é o caso do Brasil que pratica uma das taxas de juros mais elevadas do mundo.
‘Na medida em que o BC americano reduz os estímulos à economia, sobram menos recursos para essas aplicações, ou seja, menos dólares devem sair dos Estados Unidos em direção a outros países. A escassez da moeda americana, provoca invariavelmente alta da cotação’, afirma à BBC Brasil Márcio Salvato, professor de economia do Ibmec-MG.
Além disso, o mercado prevê que, encerrado o programa de compra de títulos (QE) pelo Fed, o próximo passo será a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos, hoje próxima a zero.
Nesse cenário, os títulos americanos tendem a ficar mais atraentes do que aplicações de maior risco em países emergentes, por exemplo.
‘Com menos dólares no mercado, a tendência da moeda americana é se valorizar’, diz Pedro Rossi, professor de economia da Unicamp.
China
Nos últimos meses, a desaceleração da China elevou os temores sobre o futuro da economia mundial.
O desempenho aquém do previsto da economia chinesa prejudicou especialmente os países que exportam commodities (matérias-primas) ao gigante asiático, como o Brasil e a Austrália, explicam economistas.
Como o preço de tais insumos é cotado internacionalmente – e em dólar -, a queda das importações teve um impacto no câmbio desses países. Tanto o real brasileiro quanto o dólar australiano, por exemplo, sofreram desvalorização ante ao dólar americano.
Além disso, a desaceleração da China impacta a confiança dos investidores que, em vez de buscar mercados de maior risco, como os emergentes, tendem a apostar em ativos considerados mais seguros, como o dólar. A maior procura pela moeda americana puxa para cima sua cotação.
Na semana passada, entretanto, dados positivos sobre a economia chinesa, que começou a dar sinais de estabilização após seis meses de desaceleração, deram novo ânimo a emergentes como o Brasil.
A bolsa de valores brasileira fechou em alta, revertendo as perdas do início da semana passada, e o dólar, em queda.
Brasil
Para economistas, outro fator que explica a trajetória recente de alta do dólar é, em menor grau, a perspectiva negativa para a economia brasileira.
Com espaço limitado para políticas de estímulo à economia e juros mais altos, o mercado já prevê um crescimento mais baixo para o Brasil este ano.
‘A piora na avaliação dos investidores em relação à economia brasileira deprecia o câmbio’, diz Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria. ‘As estatísticas mostram que o Brasil está descolado de outros emergentes. Isso aumenta o risco do país e afugenta investidores’, acrescenta.
Aqui, mais uma vez, com maior desconfiança externa, menos dólares entram no Brasil, e a tendência é de valorização da moeda americana.
Segundo um levantamento feito pelo UBS Wealth Management, braço do banco suíço UBS para a gestão de patrimônio, o Credit Default Swap (CDS) â’€ espécie de seguro que os investidores compram para se proteger do risco de um país â’€ do Brasil alcançou patamar semelhante ao de nações com nota de crédito inferior.
A nota de crédito é concedida por agências de classificação de risco (rating), como Standard & Poor’s e Fitch, e serve, em linhas gerais, como um termômetro para medir a capacidade de um país honrar suas dívidas (ou seja, não dar calote).
No mês passado, a Standard & Poor’s colocou a nota do Brasil, atualmente BBB, em perspectiva negativa. Mas a Fitch manteve a classificação BBB do Brasil, com perspectiva estável.
Consequências
Inflação
Uma das maiores preocupações em relação à valorização da moeda é a inflação. Nos últimos 12 meses encerrados em julho, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial medida pelo IBGE, foi de 6,27%, abaixo dos 6,7% registrados no período anterior, porém acima do centro da meta.
Desde 1999, o Brasil trabalha com um sistema de metas de inflação anual. O centro da meta para 2013, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional, é de 4,5% , mas o BC admite, ainda dentro da meta, uma variação de dois pontos percentuais para cima e para baixo.
‘Com o dólar apreciado, os produtos importados ficam mais caros. Em paralelo, em alguns casos, a exportação passa a se tornar mais atraente para o produtor, que passa a vender para outros países (pois ele passa a receber mais reais pelo mesmo produto vendido ao exterior em dólar). A menor oferta (no mercado interno) tende a elevar o preço nas prateleiras’, diz Márcio Salvato, professor de economia do Ibmec-MG.
Segundo o IBGE, os reflexos da alta do dólar ainda não puderam ser observados claramente na inflação do mês passado.
No entanto, o preço do pão francês, cuja matéria-prima, o trigo, é importada em sua maioria, saiu de uma deflação de 0,05% para uma alta de 0,68% de junho para julho.
O mesmo aconteceu com a farinha de trigo, que passou de 0,76% para 1,33% no período.
No grupo excursões, que inclui as viagens, o aumento da inflação foi de 6,49% em julho, frente a uma variação de 0,49% no mês anterior, influenciado por uma alta do preço das passagens aéreas e tarifas de ônibus.
Viagens internacionais
O dólar mais alto tende a frear os gastos brasileiros no exterior que, no primeiro semestre deste ano, somaram US$ 12,3 bilhões (R$ 28 bilhões), recorde para o período.
Em julho deste ano, dados do BC já apontam queda, apesar de pequena, nas despesas internacionais com cartão de crédito, na comparação com o mês anterior.
Mas especialistas advertem que embora o dólar mais alto possa reduzir os gastos com compras, não necessariamente diminuirá a disposição do brasileiro de viajar para fora do país.
‘Disso dependerão outros fatores, como o turismo doméstico. O problema é que os preços no Brasil são proibitivos e até maiores do que os de fora’, afirma Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria.
Balança comercial
Em linhas gerais, a alta do dólar prejudica as importações, ao passo que beneficia as exportações.
Na avaliação dos economistas, o impacto será negativo na balança comercial (registro do que país vende e compra do exterior), que registra as importações e as exportações do país.
No acumulado do ano, o saldo está negativo em US$ 5 bilhões, um recorde histórico.
‘Grande parte do deficit [saldo negativo] em nossa balança comercial se deve às importações de combustíveis pela Petrobras. A perspectiva de alta nos preços do petróleo pode piorar ainda mais essa situação’, diz Ribeiro, da Tendências Consultoria.
Do lado das exportações, os economistas afirmam, por outro lado, que ainda é cedo para avaliar o impacto positivo da alta da moeda americana, especialmente para a indústria.
‘Há muitas empresas que precisam importar componentes para depois vender seus produtos para o exterior’, afirma Salvato, do Ibmec-MG.
Para Ribeiro, da Tendências consultoria, o benefício obtido pelo exportador com a valorização do dólar pode não se refletir em um aumento das vendas.
‘Pode haver um ganho nominal de renda, devido à valorização do dólar ante ao real, mas isso não significa que as vendas de fato vão aumentar’, explicou.
‘Além disso, a demanda mundial está fraca e os produtos brasileiros, mesmo com o real mais barato, ainda são menos competitivos do que os de muitos outros países emergentes’, concluiu.
Fonte: G1
Comentários
Publicado em: 12/08/2013 às 08:14
Nenhum Comentário